monitor ligado mostrando gráficos do mercado financeiro

Dá para viver de day-trade? (Resposta data-driven)

Se você chegou aqui certamente já deve ter visto alguma propaganda de algum curso para ganhar dinheiro com day-trade.

Pelo pouco que eu vejo os cursos seguem alguns padrões básicos.

Entre eles: salas de sinais, robôs trader e o sonho de ficar rico e trabalhar de casa.

Além disso, outra coisa que eu vejo que é muito comum é o fato desses cursos serem extremamente caros.

Em pleno século 21 deveria ser difícil qualquer informação custar caro, mas aparentemente essas pessoas conseguem mostrar que esse alto custo é um “investimento” .

Mas deixa eu voltar ao tema, afinal, dá para viver de day-trade?

Entendendo o tal do day-trade

Antes de mais nada, vale a pena comentar um pequeno resumo básico do que seria day-trade.

Day-traders são basicamente qualquer pessoa (ou trader se preferir) que faz uma operação de compra e vende ativos no mercado à vista, futuro ou qualquer outro mercado similar no mesmo dia.

Isto é, para ser considerado um day-trade, você precisa fazer pelo menos uma operação de compra e uma operação de venda do mesmo ativo no mesmo dia (não precisa ser nessa ordem).

O problema claro é que com o período muito curto e o mercado sendo bastante irracional no curto prazo, essa estratégia costuma ser bastante criticada.

Sem contar que dos maiores investidores do mundo, nenhum deles parece ser um day-trader.

Mas será que é possível pelo menos viver de day trading?

Entendendo o conflito de interesses do day-trade

Um ponto que costuma chamar atenção é o conflito de interesse em relação às operações de day-trade.

De um lado temos a Bolsa de Valores, as corretoras e os vendedores de curso que tem interesse em falar que day-trade é possível e que dá dinheiro.

De outro temos alguns investidores famosos e alguns estudiosos comentando que day-trade não dá dinheiro (claramente um pessoal marginalizado e sem incentivo financeiro algum para propagar a sua visão).

Não precisa ser muito esperto para perceber que o interesse é muito maior do lado das pessoas que só tem a ganhar com day-trade.

Isso faz com que a maioria das informações que você leia por aí sejam totalmente enviesadas.

Vou tentar mudar um pouco isso e tentar mostrar uma visão mais neutra, mesmo eu sendo bastante contra esse tipo de operação.

Quais estudos já foram feitos sobre os ganhos de day-trade?

Existem basicamente dois principais estudos feitos sobre o tema e que acabaram se subdividindo.

O grande problema de não existirem muitos estudos como esse é que é necessário um nível de informação muito grande.

Além disso, nenhuma corretora passaria esse tipo de informação (obviamente com o anonimato dos seus clientes), afinal, elas não têm nada a ganhar caso se prove o contrário.

Lembrando que inclusive existem corretoras especializadas neste tipo de cliente e que fariam de tudo para manter viva a ideia que é possível ganhar dinheiro rápido na bolsa.

Por último, a própria Bolsa de Valores não tem interesse nenhum nesse estudo, já que boa parte dos seus rendimentos vem de operações como essa.

Logo, quem poderia fazer esse estudo?

Estudo de Taiwan

Estranhamente os estudos de Taiwan foram liberados pela própria Bolsa de Valores local.

Não sei ao certo qual foi o objetivo, mas aparentemente o estudo foca em alguns day-traders que tiveram resultados positivos.

Prometo em um momento futuro revisar este artigo e comentar mais sobre esse estudo de Taiwan, mas por enquanto vou deixar somente os meus comentários sobre o estudo da FGV.

Estudo da FGV

O estudo da FGV, diferente do estudo feito na Bolsa de Valores de Taiwan, teve a CVM como o fornecedor de informações.

Isso foi o que realmente fez o estudo possível e faz parte de uma movimentação da CVM de criar cadernos informativos para o investidor (apesar de pouca gente saber que existe). Você pode clicar aqui para saber um pouco mais sobre eles.

O estudo se dividiu em dois, o primeiro analisou as operações do mercado futuro e o segundo as operações de ações do mercado à vista.

O estudo da FGV é bem mais recente (dados analisados até 2018) do que o estudo de Taiwan em que os dados foram analisados até 2006, o que ajuda bastante na interpretação dos dados.

Ambos são bem completos, sendo que o estudo da FGV contém todos os day-traders que operaram no mercado de 2013 a 2016.

Trecho do estudo:

Em suma, focamos este estudo em todos os indivíduos que começaram a fazer day-trade em ações no Brasil entre 2013 e 2016, um total de 98.378 indivíduos, e em todas as suas operações de day-trade entre 2013 e 2018.

Esse banco de dados reuniu durante esse período 98.378 indivíduos.

Não tem como dizer que o estudo não teve dados suficientes ou que houve algum tipo de manipulação.

Mas vale lembrar que, mais uma vez, o estudo foi encomendado pela CVM e feito pela FGV.

Não existe qualquer relação com os grandes bancos (já vi muita gente comentando esse tipo de loucura).

Bom, vamos aos números.

Estudo de ações

Esse estudo tinha como objetivo responder a pergunta se é possível viver de day-trade.

O estudo não tinha interesse em por exemplo responder se é possível ganhar dinheiro com day-trade, são coisas completamente diferentes.

No próprio estudo, Fernando Chague e Bruno Giovannetti, dão alguns alguns números claros de que uma pequena parcela de day-traders ganharam dinheiro (não podemos esquecer que também é possível ganhar dinheiro no cassino).

Mas a questão aqui é entender se você pode abandonar seu emprego hoje e viver disso.

Detalha sobre o estudo

Nesse estudo, os pesquisadores consideraram um custo fixo de 50 reais por dia para os day-traders,supondo os seguintes custos: possíveis gastos com corretagem, plataformas de trading, cursos, livros, computadores, internet, etc.

Eu acho esse valor muito alto visto que hoje em dia as corretagens são praticamente de graça, mas em contrapartida eles não tiraram o custo com IR de quem teve resultado positivo.

Logo, os dados médios são prejudicados, mas ao mesmo tempo os poucos ganhadores são beneficiados.

Mas vamos aos números do estudo:

Iniciantes em day-tradeFizeram mais de 300 dias de day-tradeLucro acima de 100 reais por dia (sem descontar IR)Lucro acima de 300 reais por dia (sem descontar IR)
98.37855412776
100%0,560%0,130%0,077%

A ideia do estudo era somente verificar se é possível viver de day-trade.

Logo, como só 76 pessoas de 98.378 conseguiram “viver de day-trade” nesse período, a resposta do estudo foi “não” (e parece bem justa).

Mas…

Sempre tem alguém questionando alguns pontos que o estudo não tinha como objetivo responder, como por exemplo:

  1. “A grande maioria mal tentou”
  2. “Essas pessoas não estudaram o suficiente”
  3. “Por que eu não posso ser um dos 76?”
  4. “Para ganhar uma renda extra está ótimo, qual o problema?”

Por isso, vou tentar responder essas perguntas que ainda podem gerar questionamentos.

Questionamento 1

É bem possível realmente que muitos desses 98.378 day-traders tenham tentado muito pouco.

Mas pense bem, mesmo excluindo esse pessoal que não tentou muito, os resultados ainda são muito ruins.

A média dos 554 day-traders que tentaram por mais de 300 dias é de -49 reais, você já pensou que profissão do mundo paga isso?

A chance de você realmente viver disso é muito baixa…

Questionamento 2

Esse estudo de ações realmente não ajuda muito a responder a questão “é possível aprender a fazer day-trade?”.

A única coisa que ele comenta é que se tirassem os 200 primeiros dias de operação dos 554 day-traders que praticaram por pelo menos 300 dias o resultado da média seria quase o mesmo.

Resultado médio diário day-traders com mais de 300 diasResultado médio diário day-traders com mais de 300 dias excluindo os 200 primeiros dias
-49 reais-91 reais

Bom, apesar disso, pode ser que fique alguma dúvida se alguns pelo menos melhoraram o desempenho (o que é bastante difícil.

Mas no estudo deles com os day-traders do mercado futuro (19.646 deles), eles chegaram nessa conclusão aqui:

Fonte: Day trading for a living?

Ao que tudo indica, treinar/”estudar” só piora as coisas…

Questionamento 3

A chance de ser um dos 76 sortudos ou de ter o desempenho do melhor deles (4.032 reais diários) é bem baixa.

Imaginando que o seu desejo seria simplesmente escolher a sorte, talvez seja melhor procurar outros jogos de azar.

A dor de cabeça, o investimento e o tempo perdido provavelmente vão ser menores e você ainda tem uma chance de realmente ter um resultado fora da curva.

Questionamento 4

Se você realmente quer tentar ser um day-trader, mas com o objetivo só de conseguir uma renda extra, eu diria “OK”.

Acho que você provavelmente teria um melhor resultado se tentasse fazer outros tipos de trabalho. Quem sabe por exemplo escrever um blog, ser motorista de aplicativo ou qualquer outra coisa?

Mas se mesmo assim você pretende tentar ok, acho que você já está bem ciente de todo o mundo de day trading depois de ler esse artigo (espero ter ajudado).

Quer saber de mais estudos/artigos como este?

Eu sempre gosto de trazer alguns estudos mais data-driven aqui no blog.

Vou deixar alguns que eu escrevi e gosto bastante para você dar uma olhada.

Até mais!

4 Comments

  1. Joaquim da Cunha disse:

    Só queria saber, quanto foi investido por cada trader, pois nesse caso saberíamos a porcentagem de retorno e não o valor. Tirar 100 reais investindo 100.000 reais é fácil, mas investindo só 1.000 reais ,fica difícil.

    1. Fala, Joaquim.

      Pertinente a sua dúvida, mas na prática ela não é tão importante.

      Geralmente na prática de day trading não existe nem o conceito de “dinheiro investido” já que vc não precisa desembolsar nada para ter lucro.

      Claro, nenhum doido faria isso, provavelmente a maioria deles tem uma reserva de algo como 5 mil reais para suas perdas, mas pensa que alguém investiu 1.000 reais e tirou 100, ok? Um belo lucro para um mês.

      Mas se esse day trader é capaz de fazer com 1.000, por que não fazer com 100.000? A alavancagem é super fácil, como eu falei.

      Acontece que ninguém chega lá.

      A verdade é que a aleatoriedade do mercado no dia a dia é imprevisível e por causa das taxas, a maioria deles perde dinheiro.

      No fim, quem fica com a grana são as corretoras por meio do RLP e das taxas que cobram.

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